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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

DESPERDÍCIO, FALTA DE SOLIDARIEDADE


Ao mesmo tempo em que 16 milhões de pessoas ainda vivem em situação de extrema miséria no Brasil, como aponta o último censo do IBGE, o desperdício acintoso de alimentos ainda é uma realidade em várias partes do país. Nos restaurantes de Juiz de Fora, por exemplo, centenas de quilos de comida vão para o lixo todos os dias porque os consumidores colocam no prato mais do que o necessário. Esta situação ocorre, principalmente, nos estabelecimentos self-service com preço fixo, sem a utilização da balança. No Restaurante Universitário (RU) do Campus da UFJF, por exemplo, três mil e duzentas refeições são servidas diariamente no almoço, a preço simbólico de R$ 1,40. Desse total, entre 80 e cem quilos de comida acabam inutilizados. A quantidade leva em conta o alimento deixadado nos pratos e o que fica nas bandejas de exposição, mas não é consumido. De acordo com a nutricionista da UFJF, Cassia Cardoso,que acompanha os trabalhos realizados no RU, a comida desperdiçada seria suficiente para outros 250 pratos (com peso médio de 400 gramas cada).
Para tentar diminuir o desperdício, a direção do RU passou a colar cartazes dentro do refeitório, informando aos consumidores o montante de comida jogada fora a cada dia. Isso porque, segundo Cassia Cardoso e a nutricionista Thais Lamha, representante da empresa responsável pela cozinha, a maioria da sobra vem dos pratos, apesar de os alunos terem a possibilidade de repetir a refeição quantas vezes quiserem. "Queremos implementar uma grande campanha de conscientização. Também passamos a monitorar quais são os alimentos que mais agradam para evitar, de qualquer maneira, que a comida seja inutilizada", disse Thais.
A presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar (Comsea), Maria Goretti Simões, qualifica o problema da UFJF como "lamentável". "Teoricamente, os universitários teriam uma maior capacidade de conscientização, mas, infelizmente, não é isso que acontece. É triste saber que comida é jogada fora em uma cidade onde ainda há pessoas passando fome." Segundo ela, atualmente é discutido com a Prefeitura a possibilidade de ser elaborado um estudo sobre segurança alimentar no município. "Acredito que a divulgação desta pesquisa ajudaria o consumidor a refletir sobre seus próprios hábitos e desperdícios."
Preço fixo sem balança
O gerente de uma rede de restaurantes com cinco unidades em Juiz de Fora, João Batista Santos, reitera o desperdício e critica a falta de conscientização dos clientes. Segundo ele, por dia, são vendidos cerca de 1.750 pratos de comida na rede, no valor unitário de R$ 6. Desse total, aproximadamente 75 quilos (15 quilos em cada loja) vão para o lixo. Conforme o gerente, a quantidade inutilizada é equivalente a cerca de cem pratos cheios.
"É uma sinuca de bico. Se vendermos por peso, perdemos clientes. Se liberarmos para as pessoas repetirem (evitando o excesso de comida no prato), a fila para se servir ficaria maior e precisaríamos contratar mais colaboradores para controlar o fluxo. Com o preço fixo, conseguimos manter a fila pequena, um bom movimento, mas perdemos muita comida." Segundo João, se o desperdício fosse menor, o preço também poderia ser reduzido.
Ele diz que toda a comida desperdiçada pelos consumidores é armazenada em containers e, semanalmente, doada para uma fazendeira. "Como não podemos reutilizar este produto, e muito menos vender, nós entregamos esta sobra para proprietários de uma fazenda. No local, a comida é transformada em lavagem e fornecida aos animais."
 Campanha contra fome, obesidade e perda de alimento
 O Conselho Federal de Nutrição (CFN) promove, desde o início do ano, uma campanha contra a fome, obesidade e desperdício de alimentos. De acordo com o coordenador técnico do CFN, o nutricionista Antonio Augusto Fonseca Garcia, qualquer quantidade de alimento que se joga fora no país pode ser considerada um absurdo. "Nossos estudos apontam que 6% da população brasileira ainda passam fome. São cerca de 10 milhões de pessoas."
Informado sobre a situação identificada em Juiz de Fora, o nutricionista afirma que esta não é uma exclusividade do município. Para o especialista, a melhor maneira de minimizar este problema é promover campanhas educacionais dentro dos estabelecimentos. Ele sugere a confecção de cartazes, mostrando como montar um prato de comida. "O consumidor, quando chega aos restaurantes e se depara com a grande variedade de alimentos disponível, vai querer um pouco de tudo. Este é um dos principais motivos do desperdício", completa.
Para o proprietário de outro restaurante na modalidade preço fixo, sem balança, instalado na área central de Juiz de Fora, Matheus Emerick de Magalhães "quanto mais caro for o preço da refeição, menor será o desperdício". Seu restaurante vende aproximadamente 150 pratos por dia, a R$ 7. "Mesmo cobrando um pouco mais caro que outros, ainda tem desperdício. São mais de cinco quilos jogados fora todos os dias."
Mudança de hábito
  A nutricionista responsável pela Sopa dos Pobres em Juiz de Fora, Adriana Domingues, entende que, para diminuir o desperdício de comida nos restaurantes, o hábito alimentar do brasileiro precisa ser modificado. "Muitas pessoas saem para trabalhar cedo e não tomam café da manhã. Na hora do almoço estão famintos e se servem com muita comida. O problema é que o organismo não consegue processar todo aquele alimento e, muitas vezes, metade do colocado no prato já seria o suficiente para deixá-lo saciado. Se os brasileiros comessem de três em três horas, certamente este tipo de desperdício seria muito menor."
Conforme Adriana, na Sopa dos Pobres, são oferecidos cerca de 500 pratos por dia, e a quantidade jogada fora é muito pequena.  
 Taxa para coibir os excessos
Um restaurante de Juiz de Fora, inaugurado há cerca de dois meses, no Bairro Granjas Triunfo, região Nordeste, adotou há cerca de um mês a taxa de desperdício (cobrança de um valor a mais por comida deixada no prato). De acordo com um dos proprietários do estabelecimento, Roberson dos Passos, a iniciativa contribuiu para diminuir pela metade o desperdício de alimento. "Afixamos cartazes, informando que será cobrado um valor adicional de R$ 3 se sobrar comida no prato. Percebemos que os clientes mudaram o hábito, sendo mais racionais na hora da escolha."
Neste estabelecimento, é cobrado um valor fixo e a pessoa pode se alimentar durante todo o dia, não só com almoço, mas também em porções individuais de carnes ou frituras. "Servimos cerca de 150 refeições a cada domingo (dia de maior movimento). Percebemos que os consumidores não enchiam o prato por maldade, mas faltava esta consciência." Embora a iniciativa tenha dado resultado, ainda há cerca de 15 quilos de resto de comida indo para o lixo. "Este alimento se transforma em ração para as criações que existem na propriedade."
Sobre esta prática, o coordenador técnico do Conselho Federal de Nutrição (CFN), Antonio Augusto Fonseca Garcia, diz que a iniciativa é válida, mas apenas em casos extremos. "É a educação pelo bolso". Na opinião do conselho, se as regras ficarem acessíveis ao cliente antes da compra, não há nada de ilegal nisso. "Mudar o hábito alimentar de uma população demora muitos anos. A taxa é uma alternativa, mas não deve ser a única. Ainda acredito no resultado por meio das campanhas educacionais."
O procurador municipal Eduardo Floriano, que também atua no Procon, entende que a cobrança da taxa não é ilegal, desde que as regras estejam claras e visíveis para o consumidor. "Claro que cada caso deve ser analisado, mas se houver informação, não vejo problema algum", avalia.

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