VISUALIZAÇÕES

domingo, 4 de dezembro de 2011

Exército inicia transformação nos complexos do Alemão e da Penha


Conquistar a confiança da população ambientada aos imperativos do tráfico durante mais de 30 anos não é tarefa fácil para os 1.848 militares, sendo quase mil de Juiz de Fora, subordinados à 4ª Brigada de Infantaria Motorizada, que comanda a Força de Pacificação nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio. Ainda assim, até cem denúncias chegam aos oficiais, todos os dias, por meio de um 0800. "As informações são de vários tipos, mas a principal é sobre a ação de traficantes, que agora operam de forma itinerante. Eles estão desarticulados e perdendo cada vez mais força", avalia o oficial de comunicação da Força de Pacificação, coronel Malbatan Leal. Em pouco menos de um mês de ocupação por parte das tropas de Juiz de Fora, 34 ocorrências foram registradas, entre apreensões de drogas, armas e detenções.
Durante as quase 24 horas em que a comitiva de imprensa esteve nas comunidades, o que se percebeu, na prática, é que a população ainda se sente receosa ao falar sobre o tráfico, principalmente pelo fato de que muitos traficantes continuam nos morros . Agora, com a Força de Pacificação, as rédeas foram passadas para o estado. O coronel Malbatan garante, no entanto, que não há qualquer restrição à liberdade dos cidadãos, embora os moradores estejam sendo orientados sobre as leis e cobrados a cumpri-las, como o uso de capacete nas motos e cinto de segurança nos carros.
"Antes havia uma permissividade de tudo. Os bailes funk, por exemplo, terminavam às 5h ou 6h da manhã." Hoje os militares fazem cumprir a lei do silêncio e eventos privados só são realizados mediante autorização prévia do Exército. "A população mais jovem, que cresceu sob a influência do tráfico, revela, pontualmente, aversão à ordem e ao acatamento da lei. Tivemos um desgoverno durante 30 anos e que agora precisa ser governo pelos próximos 30, geração após geração", completa o coronel.
O comerciante Neudismar Pires, 48, dono de uma casa de doces há 15 anos no Alemão, tenta resumir o comportamento da comunidade nesse primeiro ano sem o domínio dos traficantes: "Parece que a população ficava mais à vontade com o tráfico. Hoje os bares fecham mais cedo. Acho que as pessoas esqueceram que têm o direito de ir e vir. Mas, para mim, melhorou bastante."
Incentivo ao turismo
Antes isolada pelo bloqueio dos traficantes, a igreja da Penha, incrustada no alto de uma rocha, era evitada até mesmo por devotos. Com a ocupação pelo Exército, segundo os militares, aumentou o número de visitantes ao santuário. O teleférico do Alemão também virou atração entre os cariocas. O aposentado Luiz Cerqueira, 60 anos, aproveitou a tarde de quarta-feira para fazer turismo, mas não precisou ir muito longe de casa. Ele mora em Ramos, bairro próximo aos complexos, e resolveu passar o dia no teleférico do Alemão. "Estou só passeando. Descendo em cada estação e conhecendo o redor." Morando há 54 anos no Rio, outro aposentado, José Braz, 70, nunca havia visitado as favelas daquela região. O teleférico foi um incentivo. "Agora venho, sem medo."
Já a estudante Fabiana Tomaz da Silva, 18, utiliza as cabines como meio de transporte no seu dia-a-dia. "Uso o teleférico para tudo. Para ir na casa da minha mãe, gastava 30 minutos a pé. Agora em menos de dez minutos estou lá." O transporte público é gratuito para moradores cadastrados, e o bilhete custa R$ 1. Em cinco meses de funcionamento 800 mil passageiros já passaram pelas seis estações.
 Moradores sentem melhorias, mas deficiência é grande
A libertação dos complexos da Penha e do Alemão expôs as consequências de comunidades que careceram de serviços básicos durante décadas. Lixo jogado pelas ruas, esgoto correndo a céu aberto, e emaranhado de fiação nos postes ainda são visões comuns nos becos. A Rua Joaquim Queiroz, uma das três únicas vias cuja largura permite passagem de carros no Alemão, foi asfaltada e calçada após a ocupação. Mas as inúmeras marcas de tiro nas portas dos estabelecimentos comerciais lembram o passado dominado pela violência. É por essa via que centenas de moradores descem, todos os dias, para o trabalho. No trajeto, agora eles encontram mais servidores cuidando do espaço público. "A coleta de lixo foi reforçada, inclusive com máquinas para varrição", conta o gari Reginaldo Neves Souza.
Para Maiara Frogel, 27, a comunidade está mesmo um pouco diferente. "Antes muitas pessoas ostentavam armas, mas eu não me sentia mal com isso, porque cresci nesse ambiente." Enquanto levava a filha para a escola, ela disse acreditar em um futuro melhor para a menina. "À tarde, ela vai para a Vila Olímpica (espaço da Prefeitura que oferece esporte, música e dança). Lá era um lixão e foi uma das melhores coisas que fizeram, porque tirou as crianças da rua." Na opinião de Petrolia Campos de Souza, 67, moradora do Alemão há 38 anos, pouca coisa mudou. "A rua foi asfaltada, mas o esgoto está sempre vazando." Questionada sobre a presença de traficantes no morro, ela foi cautelosa. "Isso eu não gosto de comentar porque compromete. Mas a gente ainda vê vestígio disso sim."
Os projetos sociais independentes dão nova esperança às comunidades. No Morro da Fé, na Penha, o street dance mudou a vida de uma menina de 12 anos. "Antes não tinha o que fazer e já presenciei muito tiroteio." A dança foi possível graças à nova sede da ONG Acondec, inaugurada em fevereiro. Com 287 crianças cadastradas, funciona em um prédio da Prefeitura, abandonado há cinco anos por causa da violência. "Todos esses meninos ficavam ociosos em meio aos bandidos. Agora vão se apresentar em uma casa de shows no asfalto", comemorou a presidente da instituição, Cristina Costa.
Já no Alemão, uma das poucas iniciativas está no Casarão da Cultura, que já abrigou um lar de idosos e hoje necessita de reforma. Por meio de voluntários e parcerias com empresas, há mais de dois anos a pastora Neide Felisberto leva música clássica, teatro, dança e oficinas a 300 moradores. "O Governo precisa entrar com instrumento social forte para trazer educação e oportunidades de emprego."

Nenhum comentário:

Postar um comentário