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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Complexos do Alemão e da Penha buscam segurança permanente; UFJF visita áreas


Poder comprar pão na padaria que fica perto de onde a pessoa mora, com certa tranquilidade, soa como natural. Para um garoto do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, este ato vinha carregado de preocupação. 
“Minha mãe tinha medo de me mandar comprar [pão], porque os bandidos davam maconha”, relata o estudante, em uma redação preparada na colônia de férias da Força de Pacificação Arcanjo 5.
As operações são comandadas pela 4ª Brigada de Infantaria Motorizada de Juiz de Fora desde novembro de 2011. Prestes a passar, na próxima quinta, 26, a coordenação da Força para brigadas de São Paulo e Rio Grande do Sul, os militares convidaram 30 integrantes da UFJF para visitarem os complexos do Alemão e da Penha na última sexta-feira, 20.
Durante o trajeto até o Rio, as histórias de opressão se multiplicam, contadas pelo tenente-coronel Augusto Perez, acrescentadas, em seguida, pelo comandante da Força de Pacificação, general Otávio do Rêgo Barros, já na base do grupo durante uma palestra, em que ele apresentou as atividades da Arcanjo 5.
Os principais casos de cerceamento de direitos ganharam repercussão na imprensa, como o assassinato do jornalista Tim Lopes, as execuções em ambiente público em “micro-ondas”, em que a pessoa é queimada numa torre de pneus, a presença de armamentos pesados, até as imagens de traficantes fugindo da Vila Cruzeiro a pé e de moto para o Alemão por uma estrada.
 A violência e a pobreza do lugar somaram-se à ausência de políticas públicas consistentes. “A realidade não é muito distinta da que presenciamos no Haiti”, resume o general Rêgo Barros.
Com a ocupação dos complexos pela Força Pacificadora, em novembro de 2010, as histórias ganharam mais um apoio para mudarem de foco. 
Pelo caminho, moradores relatam que atualmente podem caminhar de forma mais tranquila pelos bairros, como conta Rogério de Sá, 50 anos, que mora desde criança na Penha. 
“Antes nunca tive problemas direto comigo, mas já vi pessoas armadas subindo em carros, e não podíamos circular com a mesma tranquilidade de hoje”, afirma.
Comandante apresenta armamento usado nos complexos
A subida do grupo da UFJF aos morros é feita no comboio de jipes com dois soldados armados e acompanhada de perto pelos moradores, que observam a movimentação da janela e da rua. O tenente-coronel Perez garante que, se o grupo quisesse, poderia andar nas ruas, mas não daria tempo de cumprir o roteiro proposto. Equipes da imprensa juiz-forana, que também visitaram a região, em outra ocasião a convite da Brigada, permaneceram por dois dias na área e puderam caminhar entre as casas. A garantia está no efetivo de 1.897 militares, alguns posicionados em postos com funcionamento 24 horas.
Ao mesmo tempo, o general Rêgo Barros afirma que as antigas lideranças do tráfico estão enfraquecidas e não têm conseguido executar ações que impeçam as operações da pacificação. “O Comando Vermelho não está mais aqui. Alguns da facção foram presos, e outros fugiram”, diz. Desde que foi tomado, o número de homicídios no complexo caiu para oito em cada cem mil habitantes – índice muito próximo de Madri (Espanha) e Los Angeles (Estados Unidos) – conforme o comandante.
Uma das ocupantes dos jipes também chamava a atenção da população e do próprio grupo – a autora de novelas Glória Perez. Sua próxima produção, “Salve, Jorge”, prevista para o segundo semestre deste ano, será ambientada no Morro do Alemão, na Zona Sul carioca e na Turquia. A ida ao complexo fazia parte da pesquisa dela sobre cavalaria, gírias, nomeações e a respeito das comunidades.
Quando essa onda passar
A primeira parada do comboio foi no Morro da Fazendinha (Palmeira), na estação de teleférico, que se desponta no vai e vem no céu do Alemão e da Penha. O mais novo meio de transporte possui 152 gôndolas com capacidade para levar até dez passageiros cada uma, ligando cinco morros e a estação de trem de Bonsucesso. É ainda uma das poucas formas de lazer dos moradores e com potencial de atração turística do Rio de Janeiro.
Antes de embarcar, o grupo recebe explicação sobre pontos famosos da região – o inferninho verde, o local da fuga de bandidos, o baile funk com menu a la carte de drogas e sexo etc. As atrações principais são o passado recente, que  tenta ressurgir em determinados pontos do complexo e com a influência de favelas próximas ainda não pacificadas, como a Maré, distante um quilômetro e meio, e Juramento, a dois quilômetros, conforme explica o  general Rêgo Barros.
A vista a partir do morro, ainda na estação, é outro atrativo que impressiona, confirmando a música de Martinho da Vila: “Quando essa onda passar, vou te levar nas favelas, para que veja do alto como a cidade é bela”. Do Alemão, é possível avistar desde a ponte Rio-Niterói e o Cristo Redentor ao estádio do Engenhão e formações montanhosas da Zona Sul.
A visão a partir do teleférico mostra a densidade do local. São aproximadamente dez quilômetros quadrados de área para mais de 400 mil habitantes em ruas estreitas, vielas, escadarias, casas sem reboco e construídas coladas às outras, como também é possível se surpreender com a profusão de antenas de TV por assinatura. Ao mesmo tempo, faltam árvores, praças, saneamento básico, lógica para entender como casas se mantêm umas sobre as outras ou sobre vigas. Faltam condições mínimas para se viver.
Da terceira estação, o grupo segue empolgado para o Santuário da Penha, último destino do dia. De lá, é possível observar o local em que há a suspeita de ter servido como ponto de execução nos chamados “micro-ondas”, além das casas do ex-chefões do tráfico do Alemão, Marcelo da Silva Soares, o Macarrão, que está preso, e do ex-mandatário da Penha, Paulo Rogério de Souza Paes, o Mk (ou Mica), foragido. A igreja, famosa pela escadaria de 382 degraus talhados na pedra, vai aos poucos ganhando mais visitações.
O receio de subir os complexos vai dando lugar a expressões de espanto e empatia. “O impacto é forte”, diz o professor de Psicologia da UFJF Saulo de Freitas Araújo. “O passeio vale meses de estudo”, acrescenta. A estudante do Colégio de Aplicação João XXII, Cássia Araujo Girardi, deslumbrou-se com a realidade e a situação dos dois Complexos. Aos 14 anos e prestes a iniciar o primeiro ano do ensino médio, ela percebe a mudança de paradigmas que a visita proporcionou. “Tinha medo e preconceito, mas percebi que mudou, não é mais violento, está pacificado. Sem pestanejar, voltaria outras vezes.”
Desafios
“Não é só pacificação, mas também ressocialização, readaptação a uma realidade diferente para a maioria da população dos complexos, pois o tráfico se instalou ali há 30 anos”, conta o tenente-coronel Perez. Os militares também são encarregados de lembrar o limite do volume, controlam vias públicas, fazem operação Lei Seca, entre outras atividades secundárias.
Cerca de 30 pessoas da UFJF e convidados posam em frente a apartamentos de moradores que tiveram casas desapropriadas para instalação de teleférico
Os desafios perpassam a economia e a educação. Um olheiro do tráfico – garoto que observa se há policiais ou pessoa de facção criminosa oposta à dele – recebia entre R$ 400 e R$ 500 por semana pelo trabalho ilegal, diz o comandante Barros. “A economia local estava vinculada ao tráfico. Eram R$ 180 milhões gerados ao ano. Quem morava aqui podia obter serviços clandestinos de luz, água, TV a cabo e gás. Agora precisa pagar taxas.”
O excesso de bebida alcoólica, falta de opções de lazer, justiça, saúde, educação e profissionalização são também apontadas pela Força como desafios. São apenas quatro escolas de ensino médio para os dois complexos. A pacificação é uma etapa de um processo.
A população ainda revela receio em fornecer informação aos militares, pois temem represália e o retorno do comando pelo crime. “A sensação de segurança tem que ser mais presente”, afirma o comandante. Quanto maior ela for, menos necessária se torna a atuação em prol dela.
O senhor Eleandro da Silva viu no teleférico uma oportunidade de lucrar. Vende, em média, R$ 150 por dia de refrigerantes e água armazenados no isopor ao lado da estação. “A vida aqui mudou. Por mim, ia ser assim pelo resto da vida.” E o mesmo garoto que tinha medo de buscar pão perto da casa dele, também receava soltar pipa por causa do risco de ser atingido por uma bala perdida. “Agora não tenho mais medo”, escreve.
Histórico da Operação
Nos meses de setembro e outubro de 2010, o tráfico organizado implantou uma ‘campanha de terror’ no Rio de Janeiro com o propósito de atacar a polícia e amedrontar as pessoas. Dentre as ações, destacam-se as mortes, os assassinatos e a queima de ônibus e caminhões.
Diante disso, a ajuda dos militares foi requisitada pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro à Administração Federal.
A tomada dos Complexos do Alemão e da Penha ocorreu em três fases:
1 – Isolamento (de 26 a 28 de novembro de 2010)
2 – Invasão/Imposição da Lei e da Ordem (de 28 de novembro a 23 de dezembro)
3 – Pacificação (de 23 de dezembro em diante)
Vale destacar que a Força de Pacificação foi organizada depois de uma diretriz ministerial, datada de 4 de dezembro de 2010, que deu poder de polícia ao militares, uma vez que esta atribulação não é típica deles.
Especificamente os militares realizam operações de busca e apreensão, cerco e vasculhamento, mantém postos de bloqueio, controlam vias públicas. Com este trabalho, o tráfico passou a ser itinerante.
Por estar perto das principais vias do Rio de Janeiro, como a Avenida Brasil, as linhas Vermelha e Amarela, os dois complexos ofereciam uma posição privilegiada para o crime organizado.

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