Embora o trabalho para menores de 16 anos de idade seja proibido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), juízes de todo o país estão concedendo autorizações para que adolescentes exerçam algum tipo de atividade remunerada. Em Juiz de Fora, de acordo com dados divulgados pelo Ministério do Trabalho, após análise da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), foram 416 autorizações entre 2005 e 2010, o que corresponde a um alvará a cada cinco dias. O número local é superior ao de estados inteiros do país, como Pará (394), Mato Grosso do Sul (377), Rondônia (377) e Ceará (365) em igual período. Ao todo, no país, foram 33.173 autorizações, sendo 11.295 em São Paulo e outras 3.345 em Minas Gerais, que ocupa a segunda posição no ranking. Pelo ECA, meninos e meninas entre 14 e 16 anos só podem ter atividades como aprendizes.
Procurada pela Tribuna, a juíza da Vara da Infância e Juventude de Juiz de Fora, Maria Cecília Gollner Stephan, pronunciou-se, por meio do coordenador de comissariado Maurício Gonçalves Alvim Filho. Conforme ele, a juíza desconhece o elevado índice de autorizações divulgado pelo Ministério do Trabalho e informa que apenas jovens de 14 e 15 anos são beneficiados com a decisão. Ontem ela encaminhou ofício ao ministério, solicitando cópia da Rais com os números de Juiz de Fora. A juíza reiterou, em outro ofício, que não tem conhecimento de que crianças e adolescentes com menos de 14 anos exerçam atividades remuneradas na cidade.
No caso dos jovens acima desta idade, o coordenador explicou os critérios empregados para que haja a concessão: "O adolescente precisa estar frequentando a escola e querer trabalhar. Além disso, são os pais que devem solicitar a autorização. Mediante estas informações, o comissariado faz uma sindicância no estabelecimento comercial e, não verificando riscos, a informação é transmitida ao Ministério Público. Se a manifestação for favorável, a juíza concede a autorização." Ainda conforme o coordenador, "a juíza prefere ver o jovem de Juiz de Fora empregado que consumindo drogas ou trabalhando para o tráfico".
Segundo o promotor Antonio Aurélio Santos, da Promotoria da Infância e Juventude, se todas as providências forem tomadas, como fiscalização do estabelecimento e acompanhamento educacional, não há motivos para proibir a atividade por jovens de 14 e 15 anos. "Sou favorável ao trabalho. Acredito que um dos únicos retrocessos do ECA seja este. Muitos amigos de infância começaram a exercer alguma atividade até mais jovens, e não por isso se tornaram pessoas ruins."
Procurada pela Tribuna, o Conselho Tutelar do município disse, por meio do conselheiro Eliseu Alvim, que não tinha informações de autorizações judiciais sendo concedidas para esta prática e que seria solicitada justificativas ao Ministério Público.
Longe das drogas
Uma empresa da Zona Norte de Juiz de Fora, especializada em vender artigos para caminhões, contratou, no ano passado, um jovem de 15 anos. Segundo o gerente do estabelecimento, a aceitação dos empregadores partiu de um pedido da própria mãe. "O garoto mora em uma área ocupada pelo tráfico de drogas, e ela queria o melhor para seu filho. Quando soubemos que ele tinha menos de 16 anos, orientamos que os responsáveis procurassem auxílio na Justiça."
O gerente disse que, em 15 dias, a Vara da Infância e Juventude esteve no estabelecimento e verificou as condições de trabalho. "Ele foi contratado como aprendiz de vendas. Apesar de a loja vender materiais tóxicos, o jovem não tem contato com estes produtos."
Questionado sobre a possível inconstitucionalidade da ação, Maurício Gonçalves disse que as leis podem ser interpretadas de acordo com o entendimento de cada magistrado. "A doutora Maria Cecília não pensa no trabalho como um prejuízo para a formação destes jovens. Para ela, os fatos sociais estão à frente da lei." Na tentativa de proteger estes adolescentes de abusos trabalhistas, as escolas são comunicadas e devem informar à Justiça caso haja algum prejuízo ao aluno.
Após contratado, o menor de 16 anos está sujeito a todas as regras estipuladas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ou seja, podem trabalhar oito horas por dia, com direito a recolhimento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e benefícios, como férias e décimo terceiro salário.
Especialistas contestam magistrados
O doutor em ciências sociais, que foi um dos colaboradores para a construção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Rudá Ricci, questiona o posicionamento dos juízes que autorizam menores de 16 anos a trabalharem. Para Ricci, as leis foram definidas democraticamente para serem cumpridas, sem interpretações que ferem a Constituição Federal. "Permitir que estes jovens exerçam atividades remuneradas é atitude ilegal que deve ser combatida. A lei deveria ser respeitada por aqueles pagos para defendê-las."
Ricci disse que coordenou uma pesquisa recentemente que tratava dos malefícios do trabalho para crianças e adolescentes. Segundo ele, uma série de indicadores revelou, a longo prazo, o surgimento de problemas físicos e psicológicos a eles. "A autonomia e a noção de Justiça são construídas apenas entre os 13 e 15 anos. Ou seja, nesta idade, não podem dizer se querem ou não trabalhar porque não sabem dos riscos." Para ele, como resultado, podem crescer adultos sem espírito crítico e sem capacidade para colaborar no fortalecimento da democracia. "Os juízes deveriam fazer aquilo que foram formados a fazer. Quem decide o que é bom para a formação dos jovens são os educadores. O Estatuto (ECA) é claro, e não carece de interpretações."
O cientista político e professor do Departamento de Ciências Sociais da UFJF, André Gaio, também acredita que investir em educação é o melhor caminho para resolver os problemas sociais. "Não pode existir a relação ou droga ou trabalho. Deve ser ou trabalho ou educação." Para Gaio, o maior prejuízo é a limitação do tempo vago que deveria ser utilizado para complemento do estudo.
Perguntado sobre a interpretação dos juízes mediante a esta situação, Gaio diz que a flexibilização contribui para desfigurar o ECA. Ele entende a medida como um ato inconstitucional com resultados preocupantes. "Os jovens não podem pagar o preço. Os problemas sociais não foram criados por eles."
Já na opinião da psicóloga Nathália Meneguine, se os adolescentes (de 14 e 15 anos) estiverem exercendo funções que não acarretam em riscos para sua saúde, o trabalho pode ocupar um lugar saudável em seu desenvolvimento.
Repercussão em todo o país
Os números divulgados pelo Ministério do Trabalho repercutiram em todo o país. Em Brasília, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, em entrevista à Agência Brasil, disse que as autorizações de trabalho são inconstitucionais e é dever do Poder Executivo tentar convencer os magistrados a abolir tal prática. Opinião semelhante tem o ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Ele declarou que considera a situação grave.
Comentário: Comecei a trabalhar com 14 anos, em nada atrapalhou minha vida e meu rendimento escolar. Tinha a felicidade de saber que estava sendo útil, ajudava em casa e não tinha que pedir dinheiro aos meus pais nos finais de semana. Acho um retrocesso não poder trabalhar, com carteira assinada, antes dos 18 anos. Parabéns as autoridades que compreendem as situações sociais das famílias e respeitam os jovens que querem exercer uma digna profissão.
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