Rio - ‘Agora eu tenho o direito de dormir’. O desabafo de uma moradora para o comandante do policiamento feito pelo Exército, general Adriano Pereira Júnior, 63 anos, expressa precisamente o que significa para os habitantes dos complexos do Alemão e da Penha o aniversário de um ano da retomada do território e ocupação da área pela Força de Pacificação, que será comemorado amanhã.
Marília Sampaio e Maria da Penha saíram do Flamengo para experimentar o teleférico do Alemão: turismo | Foto: Felipe O'Neill / Agência O Dia
Depois de o Brasil acompanhar pela televisão, em tempo real, a fuga maciça e desesperada de dezenas de traficantes da região, agora é possível testemunhar o alívio dos habitantes de comunidades que por décadas estiveram subjugadas por uma guerra opressora e atualmente convivem com a paz: casos de homicídios, roubos e feridos a bala caíram até 44% em relação ao ano passado.
Além da segurança, começam a receber infraestrutura, serviços, lazer e emprego, ofertas que antes não conheciam o caminho para chegar lá.
Há 12 meses, personagens como o jovem Rene Silva, que através de seu jornal ‘A Voz da Comunidade’ e pela Internet, relatou o dia a dia da ocupação, e a estudante Rayane Monteiro, que comemorou seus 15 anos em meio à pacificação, emocionaram a população carioca. Hoje, podem festejar, trabalhar e viver com tranquilidade em casa e nas ruas.
UPP EM MARÇO
Os novos investimentos trouxeram, consequentemente, oportunidade para os mais de 200 mil moradores da área e valorizaram imóveis da região, que estão 50% mais caros. Construído para facilitar a circulação dos moradores do Alemão, o teleférico é usado por cariocas de outros bairros. Televisão, telefone, luz, serviços que antes eram oferecidos de forma ilegal, estão agora regularizados. A área, que era um dos maiores redutos da bandidagem no Rio, começa a ser amparada pelo Estado.
Com a instalação da UPP prevista para iniciar em março, autoridades avaliam que a ocupação melhorou a integração entre as forças de segurança e foi modelo para ações posteriores.
Mas muito trabalho há pela frente em direção à liberdade. Outros serviços e benfeitorias precisam chegar. Ainda há traficantes por lá e, antes de deixar a comunidade, o Exército fará nova ação com o Batalhão de Operações Especiais, em busca de armas e drogas escondidas.
“O problema social é a grande preocupação hoje. Vejo muita obra, mas a carência é grande. Temos que mostrar a cada dia que é melhor estar ao lado do estado que do crime”, avalia o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame.
Alemão comemora fim do domínio do tráfico e chegada da cidadania
A tomada do Complexo do Alemão para o mundo em apenas 140 caracteres e um clique. Foi pelo Twitter, o microblog de relacionamentos, que o morador do Morro do Adeus, no Complexo do Alemão, Rene Silva, 17, relatou em tempo real o início de era que começou há um ano e que mudaria a vida dele, da estudante Rayane Monteiro, 16, e de mais de 200 mil moradores da área: a pacificação da região. No território onde circulavam traficantes fortemente armados e mandava uma polícia repressora, hoje há lugar para lazer, oportunidades de emprego, moradias dignas, escolas e meio de transporte que se tornou o novo cartão postal do Rio e até ponto turístico: o teleférico. Mudanças que chegaram ao Alemão e à Penha levadas pela paz.
Rayane tem muitos motivos para comemorar os novos tempos. Mas um deles é especial. Terça-feira, ela fez 16 anos e ganhou festa surpresa em casa. A comemoração foi bem mais simples que a do ano passado, mas ela garante ter sido muito melhor. É que a sua tão sonhada festa de 15 anos, com direito a vestido de princesa, valsa e muitos convidados, aconteceu na véspera da ocupação. E, com medo, muita gente não foi.
Para chegar à festa, Rayane teve que passar a pé pelos tanques de guerra na Avenida Itararé. O drama da adolescente foi contado na ocasião por O DIA, e a jovem ficou conhecida como a Princesinha do Alemão, apelido pelo qual ainda é chamada. “Fiquei com muito medo. Quando vi o salão vazio, chorei muito”, lembra a jovem.
Mas Rayane quer agora comemorar o presente. Ela saiu da Pedra do Sapo e vive com a família em um dos apartamentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na Estrada do Itararé. “Agora, até brinco na rua, coisa que não fazia. Podemos ainda ficar até tarde na praça. Tive aula o ano inteiro sem que a escola fechasse por causa dos tiroteios”, conta ela, que quer ser modelo.
A ideia de Rene era informar à comunidade e aos cariocas sobre a tomada dos complexos do Alemão e da Penha. Mas, em uma hora, seus 180 seguidores no Twitter saltaram para 5 mil, e o mundo acompanhou pelos olhos do jovem a pacificação. Hoje, Rene conta para seus quase 70 mil seguidores sobre os tempos de paz. “Não há mais trocas de tiros e podemos andar pelas ruas sem medo de bala perdida”, comemora o criador do jornal Voz da Comunidade, onde relata o cotidiano da região. “Ainda temos problemas como falta de água e energia, mas a pacificação nos ajudou a resolver alguns mais rápido”.
População ganha cinema com direito a sala 3 D
Há um ano, ir a cinema no Alemão era um programa inimaginável, ainda mais numa sessão de meia-noite. Porém, a comunidade Nova Brasília ganhou não apenas o primeiro cinema da região, como a primeira sala 3D no Brasil em uma favela. O cinema faz parte do circuito de filmes do Rio e exibe os principais lançamentos mundiais.
“É maravilhoso ter um cinema aqui. Transformou a nossa realidade”, diz o administrador da sala de exibição e morador do Alemão, Wellington Cardoso, 29. O porteiro do local, Jorge Josino da Costa, 45, ficou 20 anos sem assistir um filme na telona. Morador da Nova Brasília, a casa dele ficava onde hoje é o cinema. A residência foi desapropriada, e ele, indenizado. “Minha casa ficava onde é a porta de entrada da sala de exibição”, conta ele, que frequenta o local com a família.
Teleférico: transporte e atração turística
Construído para facilitar a circulação dos moradores do Alemão, o teleférico passou também a ser usado por cariocas de outros bairros. Moradoras do Flamengo, Marília Sampaio, 75 anos, e Maria da Penha Silva, 65, nunca haviam ido ao Alemão. “Queríamos andar no bondinho. É muito bom ver essas transformações para os moradores e para a cidade”, diz Marília. “Adoramos”, simplifica Maria da Penha. Moradora do alto de uma das comunidades, Marilza Pereira de Arruda, 26, levava uma hora subindo a pé até sua casa. “Agora, ando 20 minutos”.
Academia ao ar livre tem quase mil alunos
Manter a forma ficou mais fácil para Elizabeth do Rosário Souza, 44. Há 7 meses, ela malha de graça na academia ao ar livre da Avenida Itararé. “Uso dinheiro que economizo com a mensalidade em outras atividades”. A unidade tem quase mil alunos. “Há várias atividades”, diz o coordenador da academia e morador da região, Alexandre Vasques. “Comemoro pois não tenho mais medo de assalto nem preciso mais passar por vários bairros para chegar em casa evitando áreas de risco”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário